Desde 2017, o Raiz da Questão está fora do ar por problemas técnicos e infelizmente o histórico do blog se apagou. Mas graças a blogueiros que replicaram, alguns dos textos continuam no ar. Ok, isso pode ser irrelevante pra você, pois, no momento, a página tem pouco mais de 3 mil seguidores no Facebook. Entretanto, a esses poucos seguidores – que eu espero que, em breve, sejam muitos mais – é preciso dar uma satisfação.
Porém, reativar o blog sem relembrar o que ocorreu seria uma falha. A história não acontece assim do nada e o que foi escrito se tornou público e algumas vezes foi reproduzido por outros sites. Por isso é importante rememorar, mesmo que em partes, os acertos e erros aqui cometidos.
Com certeza, o gol de placa do blog foi o de ter antecipado a ascensão do partido NOVO e dos ditos liberais, que na verdade era um bando de reacionários. O texto foi publicado pelo site Viomundo do grande Luiz Carlos Azenha. A época, enquanto toda esquerda ainda se preocupava com o PSDB, forças como o MBL, seguidores do Olavo de Carvalho e algumas figuras que hoje são protagonistas começavam a se destacar. Hoje, os tucanos quase desapareceram, até mesmo seu partido é dominado por um político alinhado com a extrema-direita.
Relendo o texto de 2015 em 2019, a previsão de que as pautas de comportamento e segurança pública fariam sucesso eleitoral se realizou. Já a premissa que as pautas econômicas de direitos trabalhistas encontrariam pouca popularidade também se mostrou verdadeira, porém, o capital político presidente Jair Bolsonaro no início do ano emprestou uma certa aprovação popular para a reforma da previdência.
Todavia, a crise política, iniciada em junho de 2013 e que se estende até hoje, foi de gigantesco aprendizado para todos. Nesse contexto, o blog também errou, e errou muito. E é preciso reconhecer para recomeçar. Afinal, já dizia o poeta, quem erra na análise, erra na ação.
Com certeza, a maior lição que a esquerda deveria ter aprendido – e não aprendeu – foi que a análise idealista, a baseada no conjunto de ideias, é equivocada de saída. O blog já sabia disso, entretanto, em alguns textos, caiu nessa armadilha. Quando os fatos são colocados sob a luz do materialismo histórico dialético e da luta de classes, as coisas ficam mais claras.
Mesmo sem cair na armadilha do idealismo e com o blog já fora do ar, o maior erro do blogueiro que vos fala foi o de apoiar a candidatura do Ciro Gomes. E sobre esse equívoco, como diriam ministros do STF, é preciso se debruçar.
Antes de tudo, é necessário constatar que em nenhum momento se deu crédito ao seu falso discurso progressista, aos bordões do tipo “tatu no toco”, as propostas de aliviar o endividamento do brasileiro e, principalmente, nem a de poupar os trabalhadores das reformas trabalhista e previdenciária. A interpretação do cenário naquele momento foi baseada, sim, na luta de classes. O entendimento foi de que a esquerda não teria força para ganhar a eleição no 2° turno, visto isso, a prioridade seria evitar um avanço mais forte do neoliberalismo e do fascismo.
Ciro Gomes sempre foi um político da burguesia. Durante o transcorrer do golpe contra a presidenta Dilma, ele foi presidente da CSN, do empresário Benjamin Steinbruch, um dos mais direitistas da FIESP e que sempre atuou nos bastidores pra retirar direitos dos trabalhadores. O industrial chegou, inclusive, a propor que o trabalhador almoçasse com uma mão e operasse a máquina com outra. Durante a gestão do pedetista na CSN, não era raro vê-lo palestrando em pleno horário comercial, ou seja, se faz política durante o expediente, pode ser que não era bem pela gestão da empresa que ele estava ali.
Entretanto, o político cearense não é de qualquer burguesia, é especificamente da burguesia produtiva e que tem interesses distintos da burguesia financeira e internacional. Toda a elite concorda que o custo do trabalho deve ser o menor possível, só que os bancos querem o crédito mais voltado para a especulação e o imperialismo quer o Brasil cada vez mais um país agroexportador para poder comprar suas comodities mais baratas. Sendo assim, esses dois setores burgueses sabotam qualquer projeto de desenvolvimento nacional. Já industriais e ruralistas desejam empréstimos com juros mais baixos, infraestrutura eficiente, produção científica a todo vapor e, se possível, um mercado interno pujante.
Para os trabalhadores, o melhor seria a combinação de desenvolvimento nacional sem retirada de direitos. Porém, quando se compara os interesses dos banqueiros e imperialistas contra industriais e ruralistas, para a classe trabalhadora, o melhor seria a segunda opção. A partir dessa leitura que este blogueiro que vos fala recomendou a seu humilde número de seguidores o voto em Ciro Gomes.
Havia vários erros nessa interpretação. A primeira foi desprezar o PT como resultado das organizações da classe trabalhador. Muitos questionariam, “ah, mas e o Lula? Os banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro com ele, as empreiteiras estiveram muito próximas do presidente”. Sim, isso é a mais absoluta verdade.
Porém, é preciso entender: o ex-presidente é um representante dos trabalhadores que conciliou com a burguesia. E é esse laço com o proletariado que garantiu algumas ‘migalhas’, como o reajuste do salário mínimo acima da inflação, os programas sociais, o crédito para agricultura familiar, uma posição de alinhamento alternativo ao imperialismo no cenário internacional, etc, etc, etc. Além disso, a base petista nos maiores sindicato, a CUT, e movimento camponês, o MST, da América Latina e nos movimentos sociais, garantia o acesso da classe trabalhadora a suas pautas no governo federal. Se elas eram cumpridas é outro assunto, mas o neoliberalismo nos governos petistas foi bem menor do que seria se sua ampla base social não tivesse este vínculo.
Ciro, sendo político burguês com discurso de esquerda, caso fosse presidente, não poderia garantir estas conquistas, pois estaria amarrado a um empresariado, dando-lhes mais impulso na correlação de forças. Pode até ser que ele conseguisse romper com o desastre neoliberal, já que é um representante do capital produtivo, e não especulativo. Mas é importante ressaltar que mesmo entre os setores, a burguesia tem interesses e estratégias difusas, logo, não se poderia ter certeza que isso resultaria em uma política mais desenvolvimentista.
O segundo aspecto do erro é que o processo eleitoral é uma ótima oportunidade para radicalizar a luta política. Olhando para trás, a decisão mais correta do PT seria manter a candidatura do Lula até o final, mesmo seu registro sendo anulado, o que levaria a uma vitória do Bolsonaro já no primeiro turno. Com isso, os votos no líder petista seriam impugnados, mas não ocultados, e é quase certo que em maior quantidade que obteve Haddad. A partir desse momento, seria possível especular qual seria sua votação caso estivesse solto e assim escancarar o golpe para toda sociedade.
Já o voto no candidato do PDT é despolitizado, pois aceita a derrota da organização da classe trabalhadora e seu partido, ou seja, neutraliza qualquer polarização e radicalização. Em outras palavras, é como dizer que a prisão do Lula e o impeachment da Dilma são coisas do passado, passando a mensagem que esses eventos são coisas normais da democracia, quando não são. São fraudes que a burguesia nos impôs e que precisam ser desnudadas.
O terceiro aspecto do erro é o fato do desejo de Ciro em ser presidente não ter compromisso com os movimentos proletários. Tanto que, após a derrota na eleição, fruto, em partes, das manobras políticas do PT, ele fez o jogo da direita, chamou petistas de quadrilheiros e difundiu a frase criada por seu irmão: “o Lula tá preso, babaca”. Não é um jogo só direitista, mas também burguês, pois, por mais que houvesse corrupção aqui ou ali, o discurso pode legitimar uma perseguição jurídica que sofreu o principal partido de esquerda do país.
Esquecem-se aqueles que apoiaram Ciro que a superação do petismo no campo progressista depende fundamentalmente da migração dessas organizações dos trabalhadores para uma nova força política, caso contrário, elas se desmantelariam, debilitariam a luta e propiciariam um avanço brutal da burguesia. Ou seja, enquanto a classe trabalhadora organizada não tiver um novo partido, combater o PT é propiciar um avanço da direita.
Em cima disso, há o quarto aspecto do erro, o de rachar o eleitorado da esquerda, inclusive no congresso nacional. A desidratação petista no parlamento permitiu ao pedetismo eleger representantes com altíssima subordinação aos interesses das elite. O exemplo claro disso é o da deputada Tábata Amaral, que é ligada ao movimento Renova BR do empresário Luciano Huck e que votou favorável à reforma da previdência.
Ciro Gomes foi um erro da esquerda. Não significa que na próxima eleição devemos votar no PT, mas que se mobilizar em torno dele é se capitular frente a burguesia. Tudo isso dito, por essas e outras, sim, o Raiz da Questão reconhece o seus equívocos, mesmo sendo lido por ainda poucos . Nessa, digamos assim, reinauguração, o compromisso será o da luta política em defesa dos trabalhadores sob a perspectiva da luta de classes.