Não precisa ter mestrado ou doutorado em relações internacional para perceber o óbvio, que Bolsonaro faz uma política entreguista e de submissão inexplicável – quando se olha os interesses do Brasil – aos EUA. Começou com o atrito com a China, em seguida a briga com os países muçulmanos com a proposta de mudança da Embaixada de Israel para Jerusalém – lembrando que chineses e islâmicos (árabes e persas) respondem pela maior parte do superávit da balança comercial brasileira -, depois veio a possibilidade de uma incursão militar na Venezuela, até chegarmos à visita a Donald Trump, que incluiu abrir mão do status de país em desenvolvimento da OMC por uma promessa de entrada na OCDE, acordos para a base de Alcantara, permissão para importação de produtos agrícolas e pecuários sem contrapartida, e visita a CIA para tratar das questões da Venezuela.
Tudo isso vem alinhado com um discurso fajuto do Olavo de Carvalho, representado por um de seus pupilos, Filipe Martins, assessor de assuntos internacionais da presidência da república, de que precisamos combater o globalismo, o domínio eurasiano e nos alinhar com países que reforcem a tradição judaico-cristã ocidental. Essa balela toda serve para justificar submissão a interesses poderosos dos EUA, mediados pelo articulador da extrema-direita no mundo, Steve Bannon.
Porém, mesmo com essa atitude entreguista, por incrível que pareça, o presidente brasileiro conseguiu sair, para boa parte de seu povo, como um patriota, como alguém que defende os interesses nacionais. A pergunta angustiante que se deve fazer é como? Como? Muito simples, temos uma esquerda que se liga em valores universais, como o meio-ambiente e os índios – que são importantes, e se esquece da correlação da luta de classes – crucial para colocar em prática essas pautas – e de uma de suas principais missões, o anti-imperialismo.
É importante observar que Bolsonaro é um desprezível protofascista e que faz uma política de destruição e entrega da Amazônia – seu filho, Eduardo, já prometeu mineradoras americanas no local. Isso posto, deve-se recordar que a maior vocação da esquerda, sobretudo a marxista, é o combate ao imperialismo, o que sufoca países, sobretudo os emergentes, para extrair seus recursos naturais, rebaixando seu valor de troca, ou usar sua mão-de-obra barata, e, com isso, acelera-se o processo de exploração dos trabalhadores dessas nações numa velocidade maior do que se feita pelas elites locais. Ou seja, se toda burguesia é exploradora, a burguesia internacional é muito mais.
Mas esse processo não ocorre de supetão, é preciso primeiro dominar a política e o território de diversos lugares do mundo. É nesse momento que o imperialismo, além de mega explorador, é destrutivo. Aí que uma esquerda ligada em valores só consegue ver, por exemplo, um ditador sanguinário em Muammar al-Gaddafi. A guerra civil na Líbia que, hoje se sabe, teve apoio direto dos EUA, depôs e matou o antigo tirano. No lugar, o país que tinha relativa estabilidade política e social, agora é controlado por extremistas islâmicos e vive embates civis constantes. Ou seja, para retirar o controle dos inimigos, os americanos instauram o caos. Exemplos similares se observa no Egito, Venezuela, Afeganistão, Iraque, Líbano, Ucrânia e Turquia, onde o dedo imperialista desorganizou e desestabilizou a política interna, causando imensas crises sociais e econômicas, e às vezes sem sucesso em sua missão. Mas o maior exemplo de destruição foi na Síria. Para enfraquecer o maior aliado da Rússia, Obama armou os rebeldes sírios que se juntaram com o que restou da Al-Qaeda e os sunitas iraquianos – que perderam o poder após a queda de Sadam Hussain- para formar o Estado Islâmico e tentar derrotar o também déspota Baschar Al Assad. O dirigente sírio que chegou a perder quase todo território, hoje, já retomou mais de 60% com a ajuda dos russos, e é óbvio que todo o conflito deixou um enorme rastro de destruição. O país árabe, que vivia relativa estabilidade, perdeu metade da sua economia, além de espalhar milhares de refugiados pelo mundo.
Mesmo com o imperialismo a representar uma terrível ameaça, no meio da crise das queimadas na Amazônia, pela preservação ambiental e em oposição ao bolsonarismo, parte da nossa esquerda resolveu abraçar… Macron. O líder francês aproveitara o momento para incendiar o discurso ambientalista da esquerda pequeno-burguesa e propor discutir uma governança internacional na floresta amazônica. Vejam só, o presidente da França queria um controle global de uma parte do território brasileiro do tamanho da Europa Ocidental e parte dos nossos representantes esquerdistas saíram em sua defesa. É obviamente uma falta total de leitura política e uma ótima oportunidade para o governo bolsonarista lançar a cartada patriótica. Aí ficou fácil, era só vir com a mesma conversa fiada das ONGs, da mídia, do globalismo, etc, etc, etc. Ou seja, Bolsonaro, o mais entreguista de todos, ganha da esquerda o status de nacionalista em uma crise que ele mesmo provocou.
Nesse caso, havia alguma forma de se opor ao mandatário brasileiro sem se deixar capitular ao imperialismo? Sim! Era só trucar a cartada patriota dele. E, como? Para responder essa pergunta, basta recordar os capítulos dessa celeuma.
No período pré e pós eleitoral, Bolsonaro prometeu acabar com o Ministério do Meio-Ambiente e anexa-lo ao Ministério da Agricultura. Alertado por representantes do agronegócio de que isso poderia prejudicar as exportações brasileiras, recuou. Ainda propôs acabar com reservas indígenas e explorar mineração na Amazônia, além questionar os dados desmatamento e demitir o diretor do INPE. Isso tudo, é claro, incomodou ambientalistas pelo mundo todo, o que prejudicou a imagem do país no exterior, a ponto do Blairo Maggi, produtor de soja e constantemente acusado desmatador – chegou a ganhar o prêmio motosserra de ouro do Greenpeace, reclamar que a fama do Brasil de não preservacionista do novo governo estava prejudicando seus negócios.
O discurso da ecologia é justo, do ponto de vista da esquerda, pois escancara ainda mais o caráter destrutivo do capitalismo, que na sanha da acumulação não é capaz de proporcionar desenvolvimento com preservação ambiental. Entretanto, também é muito usado quando países querem boicotar ou sabotar outros. O meio-ambiente é uma causa apaixonante para muitos, comove celebridades e faz com que pessoas doem dinheiro. Logo, qualquer aventura internacional encontra nesse discurso um ativo político muito forte.
No momento que a crise das queimadas se agravou, que o dia virou noite em São Paulo, Macron deve ter pensado: agora é a hora! Ele que enfrenta uma grave crise de popularidade graças a sua política neoliberal semelhante a de Paulo Guedes, poderia usar um possível boicote ao setor agroexportador brasileiro para obter apoio dos produtores rurais franceses e dos partidos verdes de esquerda na próxima disputa eleitoral, que provavelmente será contra a extrema-direita de Marine Le Penn.
Após o discurso duro do líder francês dirigido ao Brasil, Bolsonaro retrucou chamando sua mulher de feia e dizendo que o país europeu tem uma postura colonialista. Nesse último aspecto (o da política colonizadora), ele está certo, só que o que o presidente brasileiro faz? Terceiriza a defesa da soberania nacional para Trump.
É importante ressaltar que toda essa bagunça ocorreu dias antes do encontro do G7, onde é possível observar, logo nas primeiras horas, Macron e Trump conversando separadamente e muito provavelmente sobre a Amazônia. Obviamente, o estadunidense não fez isso de graça, a opção feita pelo governo do Brasil de um alinhamento automático com a nação norte-americana renderá muitos frutos a seus interesses. E, nesse caso, é bom sempre lembrar que Eduardo Bolsonaro, indicado a embaixador nos EUA, prometeu uma mineradora americana em Raposa Serra do Sol, onde há uma reserva indígena – um tipo de demarcação tão atacada por Jair Bolsonaro – Yanomami próxima a Venezuela, onde os dois países quase fizeram uma invasão militar.
Isso tudo sem contar que a ameaça de boicote ao setor agroexportador brasileiro, o que representa a maior participação no PIB, ainda não foi resolvido. Parlamentos como o da Áustria ameaçam o acordo Mercosul/União Européia e fundos de investimento estão ameaçando tirar o Selo Verde do Brasil. Ou seja, Bolsonaro provoca uma crise, não resolve, apresenta sinais de entrega da Amazônia e outras coisas mais para os americanos, e ainda sai com fama de patriota com um discurso contra Macron e os inimigos internos do pátria.
Naquele momento, a esquerda deveria trucar a cartada bolsonarista. Exigir que presidente resolvesse os quatro aspectos da crise: o problema das queimadas, impedindo uma intervenção estrangeira no território nacional, sem prejudicar a economia e nem entregar nada aos EUA. Se Bolsonaro resolvesse, ótimo, como não iria, seu governo se enfraqueceria e poderia haver um encaminhamento para sua derrubada. Além disso, é papel intransigente da luta dos trabalhadores rechaçar qualquer tentativa ou especulação de intromissão externa nas fronteiras brasileiras.
Todavia, a esquerda tomada por valores como o feminismo – que é justo, porém não pode ser superior ao anti-imperialismo e ao ímpeto de impedir uma tomada de boa parte do território nacional – preferiu pedir desculpas para Brigitte Macron por ter sido chamada de feia. Bolsonaro faz mal a Amazônia, só que a solução não é o dedo imperialista europeu, e sim o ‘Fora, Bolsonaro!’, ‘Fora, Macron!’ e Fora, Trump!